quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Vazio



   Era ano novo, literalmente, os fogos no céu não deixavam dúvida, mas pra mim tudo parecia velho, pior ainda, morto. Minha vida estava um caos, exceto profissionalmente, minha carreira de fotógrafo não poderia estar melhor, mas emocionalmente nunca gostei dessa palavra “emocionalmente”, talvez seja por isso que eu esteja tão emocionalmente ferrado. A Cristina, minha ex, arrancou tudo o que uma mulher poderia arrancar de um homem, não financeiramente falando, mas... você sabe, não quero entrar em detalhes.
   Eu gosto de ver os fogos, gosto de sentir-me tão pequeno ao olhar pro céu, gosto de como as luzes artificiais conseguem por alguns segundos serem mais brilhantes do que as próprias estrelas. Eu estava assim com os pensamentos fora de órbita enquanto caminhava entre as pessoas de branco, elas se abraçavam, sorriam, desejavam felicitações e olhavam para os fogos inebriados, como se fossem o maior espetáculo do mundo. Eu não estava à procura de ninguém, na verdade desejaria fugir de tudo, mas então eu a vi, uma mulher com os olhos voltados pro céu, eu não a conhecia, mas não foi uma atração que me fez caminhar até ao seu lado, mas sim a expressão em seu rosto, era como se tudo o que eu estava sentindo por dentro estivesse estampado na sua fisionomia por fora, me identifiquei, eu queria tirar uma foto, a legenda seria “Então é assim que eu me pareço”.
   Fiquei ao seu lado, estávamos separados por uma distância segura, não sei se você sabe, mas certas pessoas tem a mania de beijar quem não deve no ano novo, não quero correr o risco. Gosto das coisas como devem ser, gosto do sossego, do mar calmo e quando as coisas não estão tranquilas, eu faço de tudo para que elas fiquem. Ficamos ali parados, as pessoas ao nosso redor comemoravam, ela não olhou pra mim e eu não olhei pra ela, éramos dois pontos sem importância vistos do espaço, dois corpos estáticos abandonados na terra, duas vidas paralelas que desconheciam a verdade do outro, mas que compartilhavam (não intencionalmente) um sentimento destrutivo, o vazio.
                                                           
                                                                   Andressa S.A

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