segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Loucos


  Em certos lugares existem diferenças tão contrastantes ou mesmo semelhanças tão idênticas, que é quase impossível acreditar que essas características possam conviver juntas. E qual seria o lugar ideal para encontrá-las? Há um em especial, um lugar em que as pessoas tentam evitar a todo custo ou mesmo fingem que não existe. Um lar para loucos ou coisa parecida.
  As pessoas não imaginam quantas histórias existem presas naqueles lugares. Que tal ouvir uma?

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  Meu nome é Ricardo, mais conhecido como "Os pais mentem". Eles mentem mesmo, mas não é por isso que eu estou aqui, foi um episódio que me deixou famoso, finjo que este lugar é o meu prêmio, que os loucos são os meus fãs e tenho até uma namorada. Eu não tinha uma quando eu não era ninguém. Eu só tinha mentiras. Mentiras. Mentiras. Mentiras. Você vai entender.
  Aos quinze anos eu descobri que o meu pai, na verdade não era meu pai, que minha mãe teve um caso e quando descobriu que estava grávida, fingiu que o filho era do meu falso pai. Eu e o meu falso pai descobrimos ao mesmo tempo. Ele me odiou desde então, morreu um ano depois, pois bebeu tanto que entrou em coma alcoólico e não voltou mais, minha mãe entrou em depressão e eu provei todas as drogas que estavam ao meu alcance. 
  Eu vivia chapado, não sabia mais o que era realidade ou fantasia, tive umas alucinações de Oscar, quer dizer, dignos de Oscar. Foi uma dessas alucinações que me prendeu aqui. Alguns anos atrás me encontraram nu correndo numa avenida movimentada, me disseram que eu tentei agarrar uma mulher e depois corri atrás de duas crianças gritando "Os pais mentem". A única coisa que eu lembro é que os enfermeiros de merda me fizeram vestir uma roupa e eu fiquei com muita raiva.
  Eles me limparam, não uso mais a droga que mata, só o Bob Marley, que são os comprimidos pra deixar os loucos menos loucos. Eu adoro o Bob Marley, quando fico muito agressivo, eles aumentam minha dosagem. Frequentemente fico agressivo. Quem não gosta dos comprimidos é a Lua, ela nunca toma, só quando os enfermeiros a obrigam. Aliás, ela é a minha namorada. Lua estava chorando quando chegou aqui, ela matou dez gatos achando que era perus de natal, quando a Lua descobriu que eram gatos, ela passou dois dias inteiros chorando. Ela me disse que amava animais e para animá-la, eu lhe dei de presente um rato, foi o único animal que eu havia conseguido encontrar. Desde então estamos juntos, Lua sofre de esquizofrenia, as vezes do nada ela me pergunta:
  -Você me ama?
  -Só a Lua - eu respondo. E ela me abraça tão forte, que parece que meus ossos vão se partir, mas não partem.
  As vezes ela faz a mesma pergunta para as paredes, acho que elas respondem, pois a Lua sempre sorrir depois da espera.
  Geralmente aqui não é tão ruim, mas tem dias que são insuportáveis, o que eu mais sinto falta é de correr, aqui não há muito espaço, mas todos os dias eu corro pelos corredores, ao redor das salas e dos quartos. Os enfermeiros já se acostumaram, não brigam mais. As vezes a Lua me acompanha, mas ela não tem muito fôlego. Eu sinto que ela é a pessoa mais normal que eu já conheci, queria casar com ela, queria ter filhos com ela, mas não neste lugar. Isso aqui é uma lata de lixo, somos os enlatados amassados, somos descartáveis. Eu queria saber o que se passa na cabeça das pessoas. Elas não sabem que podem ficar a qualquer momento loucos como nós?
  Eu tenho que pensar em coisas boas. Eu tenho que pensar em coisas boas. Prometi a Lua que eu tomaria menos Bob Marley e ela me prometeu que tomaria mais. Quando eu fico irritado tento pensar num dia em especial, um dia em que eu estava furioso olhando as grades na janela e a Lua foi me chamar para tomar o café da manhã, ela segurou na minha mão e disse:
  -Vamos pra casa.

                                                                    Andressa S.A

Um comentário:

  1. Que coisa. Às vezes tudo desanda a ponto de nos ancorarmos em imagens além da realidade, ou fantasias muito reais. Difícil dizer os motivos pelo que terminou assim. Que história triste.

    Beijo!

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